Juiz
critica propostas do Congresso e encabeça movimento de reforma política com
base em iniciativa popular.
Fazer
uma entrevista com o juiz de Direito Herval Sampaio é ter a certeza de ouvir
declarações fortes, sobretudo, contra a forma de se fazer política atualmente.
Contudo, nesta matéria, apesar do magistrado ajudar a reforçar o conteúdo com
falas polêmicas, os holofotes não estão nele. Estão na Coalizão Democrática, um
grupo nacional, composto por diferentes instituições, que trabalha na coleta de
assinaturas para um projeto de lei de iniciativa popular sobre a reforma
política.
E
qual a necessidade de uma iniciativa popular para um projeto de lei sobre a
reforma política se a matéria já é discutida no Congresso, ainda mais com o
“tratamento prioritário” anunciado pelo PMDB, partido do atual presidente da
Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros? Herval
Sampaio responde: “Porque esses projetos que estão em Brasília não contemplam o
real intuito da reforma política e não vai conseguir combater esse mal que é a
corrupção eleitoral”.
Com
um posicionamento cético sobre essa postura do PMDB, Herval Sampaio ressalta que
não acredita que possa haver qualquer mudança real na forma de se fazer
política atual, uma vez que isso interferiria na continuidade dos mandatos de
muitos dos que estão lá hoje. “Estamos nesse movimento, nessa Coalizão
Democrática, porque entendamos que os políticos não vão fazer reformas reais. A
classe política não tem moral para fazer a reforma política. Eles não querem
reformar e sim se manter no poder”, acrescenta.
Esse
posicionamento não é por acaso. Herval Sampaio sabe, com a experiência de um juiz
que passou anos na Justiça Eleitoral (foi aquele magistrado responsável por
cassar a ex-prefeita de Mossoró, Cláudia Regina, e tornar a ex-governadora
Rosalba Ciarlini inelegível), que o sistema atual é fundamental para garantir o
projeto de muitos políticos. A continuidade deles no poder, se aproveitando de
questões legais para fazer acertos ilegais.
O
exemplo disso é o financiamento privado de campanha, condenado por Herval
Sampaio e pela Coalizão Democrática, autora da reforma popular. Para eles, o financiamento
privado é uma certeza de que os eleitos estarão comprometidos com aqueles que
doaram – na verdade, investiram em seus políticos.
“São
10 pontos que estamos tratando na proposta de reforma política e oito deles
podem ser discutidos democraticamente no Congresso, mas dois não. Não aceitamos
negociar o fim do financiamento privado, de doações de empresas ou pessoas
físicas, que na verdade são confirmadamente investimentos feito por eles; e o
fim da reeleição, que é uma instituição que no Brasil não deu certo, e
representa o abuso de poder político e uso da máquina”, analisa.
“José
Agripino se comporta como dono do Democratas”
Essas
– fim do financiamento privado e da reeleição – não são as únicas propostas,
evidentemente. A Coalizão Democrática tenta ainda mudar a estrutura dos
partidos políticos, com o objetivo de acabar com os “caciques” partidários e
fortalecer a democracia interna. “Hoje, muitos partidos têm verdadeiros donos,
caciques, que são responsáveis por todas as decisões da sigla e, em alguns
casos, também de outros partidos aliados. E isso não pode existir”, afirma
Herval Sampaio, dando como exemplo o senador José Agripino, presidente nacional
do Democratas.
“Com
todo respeito ao senador, mas ele se comporta como o dono do DEM”, acrescenta
Herval, dando como exemplo o veto da sigla à candidatura a reeleição de Rosalba
Ciarlini no ano passado. “Ele impôs uma vontade pessoal dele à possibilidade da
governadora disputar a reeleição”, cita, explicando, em seguida, que o
fortalecimento da democracia interna é fundamental para viabilizar outra
proposta que é a votação em dois turnos para o legislativo.
Isso
porque, atualmente, vereadores e deputados são eleitos de forma proporcional,
com cálculos que raros eleitores conhecem. A proposta da Coalizão é fazer a
eleição em dois turnos. No primeiro, os partidos colocam em votação seus
projetos e programas. Depois, diante do número de votos e das cadeiras que
conseguir no legislativo, realiza uma nova eleição, para definir que são seus
representantes. E, para isso, a democracia interna é fundamental.
“O
sistema, hoje, não é mais razoável para a população, com essa linha de um
deputado muito votado puxar cinco ou seis nomes do partido. O eleitor termina
elegendo aquele em quem ele não votou ou não queria eleito”, analisa Herval
Sampaio.
ASSINATURAS
As
sugestões e análises de Herval Sampaio, que são também as da Coalizão
Democrática e do principal defensor nacional da proposta, o juiz Marlon Reis,
autor do livro “Nobre Deputado”, já foram reafirmadas por 600 mil pessoas que
assinatura a matéria. Porém, é preciso chegar a 1,5 milhão de assinaturas para
que possa ser levado ao Congresso com o objetivo de se tornar um projeto de lei
de iniciativa popular, como foi a Ficha Limpa.
“O
número continua crescendo, até porque têm várias instituições envolvidas, como
a Associação dos Magistrados do RN (AMARN), a Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB), Confederação Nacional da Indústria e muitas outras. Temos políticos e
partidos que apóiam também, mas esses preferem não divulgar o nome para não
parecer que é um projeto deles”, revela Sampaio. Mais informações sobre a
proposta e, inclusive, a assinatura, podem ser feitas pelo
http://www.reformapoliticademocratica.org.br/.
“O
PMDB é um partido fisiologista e não quer a mudança real”
Ainda
na fase da apresentação das propostas de mudança e da coleta de assinaturas, a
reforma política popular defendida por Herval Sampaio (e, ressalta-se, não é um
projeto pessoal dele), a matéria corre o risco de chegar ao Congresso já com a
reforma política que está atualmente em tramitação, aprovada pela Câmara dos
Deputados. E se isso acontecer, pior para os eleitores, que não terão uma
reforma real na forma de fazer política no Brasil.
E
um indício que Herval Sampaio levanta para mostrar que os projetos em
tramitação sobre a reforma política não se tratam das “mudanças reais”, é o
fato delas serem apoiadas pelo PMDB, partido que tem como filiados os atuais
presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Eduardo Cunha. “O PMDB é
um partido fisiologista, acostumado nesse toma-lá, dá-cá da política
brasileira. O PMDB não quer a mudança real e não pensa, por exemplo, no fim do
financiamento privado de campanha, até porque o senhor Renan e o senhor Eduardo
Cunha são beneficiados por ele”, acrescenta Herval.
O
entendimento de Herval Sampaio não é por acaso. O partido, que reafirmou no
início da semana que a reforma política seria a prioridade de seus
correligionários, disse, também, que não é favorável ao financiamento público
de campanha, alternativa para a fórmula atual, privada, baseada em doações de
empresas e pessoas físicas.
Não
por acaso, inclusive, os peemedebistas líderes das duas Casas do Congresso
estão, também, citados na investigação que apura os desvios de recursos da
Petrobras. Vale lembrar que o esquema se constituía no pagamento de propina, em
parte, por meio de doações de campanha.
Pelo
menos, o PMDB já anunciou que é favorável ao fim da reeleição para cargos do
Executivo e também a coincidência de pleitos eleitorais. O partido defende que
as eleições sejam realizadas nos mesmos anos a partir de 2018.
Pontos
da reforma política popular
Instauração do financiamento público para
as campanhas eleitorais;
Proibição de financiamento eleitoral por
pessoas jurídicas;
Permissão de contribuição individual
obedecendo ao teto de setecentos reais por eleitor e não ultrapassando o limite
de 40% dos recursos públicos recebidos pelo partido destinados às ele;
Extinção do sistema de voto dado ao
candidato individualmente, como hoje é adotado para as eleições de vereador,
deputado estadual e federal e, em seu lugar;
Adoção do sistema eleitoral do voto dado em
listas pré-ordenadas, democraticamente formadas pelos partidos e submetidas a
dois turnos de votação, constituindo o sistema denominado “voto transparente”,
pelo qual o eleitor inicialmente vota no partido e posteriormente escolhe
individualmente um dos nomes da lista;
Garantia da alternância de gênero nas
listas mencionadas no item anterior;
Regulamentação dos instrumentos da
Democracia Direta ou Democracia Participativa, previstos no art. 14 da
Constituição de 1988, de modo a permitir sua efetividade, reduzindo-se as
exigências para a sua realização, ampliando-se o rol dos órgãos legitimados
para iniciativa de sua convocação, aumentando-se a lista de matérias que podem
deles ser objeto, assegurando-se financiamento público na sua realização e se
estabelecendo regime especial de urgência na tramitação no Congresso;
Modificação da legislação para fortalecer
os partidos, para democratizar suas instâncias decisórias e formação das listas
pré-ordenadas, para impor programas partidários efetivos e vinculantes, para
assegurar a fidelidade partidária, para considerar o mandato como pertencente
ao partido e não ao mandato;
Criação de instrumentos eficazes voltados
aos segmentos sub?representados da população, exemplificativamente
afro?descendentes e indígenas, com o objetivo de estimular sua maior
participação nas instâncias políticas e partidária;
Previsão de instrumentos eficazes para
assegurar o amplo acesso aos meios de comunicação e impedir que propaganda
eleitoral ilícita, direta ou indireta, interfira no equilíbrio do pleito, bem
como garantias do pleno direito de resposta e acesso às redes sociais.
JH
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