Cabeças foram encontradas em buscas
sucessivas, depois da rebelião. Antes disso, 11 corpos foram identificados e
liberados, sem cabeça, para as famílias
Mais de três meses depois do início da
disputa entre facções rivais que resultou em duas semanas de rebelião e 26
mortos, na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, Rio Grande do Norte, as
consequências do massacre ainda perduram. Três corpos e 15 cabeças aguardam
exame de DNA. A polícia científica do estado não tem laboratório com tecnologia
para a análise do código genético. O exame deve ser feito ainda este mês, no
laboratório da Polícia Científica da Bahia.
As cabeças foram encontradas em buscas
sucessivas, depois da rebelião. Antes disso, 11 corpos foram identificados e
liberados, sem cabeça, para as famílias. Com a identificação por meio do DNA, o
diretor-geral do Instituto Técnico-Científico de Perícia (Itep), Marcos
Brandão, informou que as cabeças vão ser entregues aos familiares para que
decidam o destino dos restos mortais. “Não era certeza que essas cabeças
apareceriam, foram aparecendo, por sinal, de forma gradativa, algumas só
posteriormente. É igual acidente aéreo, a vítima vai ser enterrada com o que
foi encontrado.”
Restam também três famílias que ainda não
tiveram uma resposta definitiva sobre o destino dos restos mortais de três
detentos depois da rebelião. Elas aguardam que os corpos carbonizados e
degolados sejam finalmente identificados por meio do DNA. Desde janeiro, os
cadáveres estão no Itep. Uma quarta vítima foi enterrada como indigente em
abril. Depois da recontagem, além dos 26 mortos, foram contabilizados mais de
50 fugitivos pelo governo estadual.
Marcos Brandão afirmou que as análises de DNA
devem ser feitas em maio. “Como a gente não tem [laboratório de DNA] fica
dependendo de nos encaixarmos em outro laboratório”, disse. “Vai ser no
laboratório da Polícia Científica da Bahia. A gente tem parceria com eles. Os
técnicos são nossos, a gente usa a estrutura física e equipamentos deles.”
Segundo Brandão, a rebelião acabou fazendo
avançar um processo antigo de abertura de um laboratório de DNA. Uma estrutura
do Instituto de Defesa e Inspeção Agropecuária do Rio Grande do Norte (Idiarn)
já havia sido doada ao Itep, mas era preciso readequar o espaço. A obra está
orçada em R$ 280 mil. Brandão informou que os recursos estão garantidos, e a
licitação deve sair no dia 15 de maio. “Até o final do ano esperamos ter o
nosso laboratório de DNA.”
Reformas e superlotação
Aos que sobreviveram ao motim, é preciso
lidar com a superlotação. Antes da rebelião eram cerca de 1.150 presos para 620
vagas, levando em conta a Penitenciária de Alcaçuz e a Penitenciária Rogério
Coutinho Madruga, outra unidade que fica no mesmo terreno de Alcaçuz e é
chamada de Pavilhão 5. Foi desse último espaço, controlado pelo Primeiro
Comando da Capital, que escaparam os presos, no dia 14, para atacar o Pavilhão
4, dominado pelo Sindicato do Crime do RN.
A rebelião deixou um rastro de destruição no
local, mas os problemas estruturais são mais antigos. Desde 2015 as celas não
tinham grades (por causa de outro motim), o que deixava os detentos livres para
circular dentro dos pavilhões. Com a retomada do controle de Alcaçuz, o governo
estadual anunciou uma reforma emergencial. A obra, contratada com dispensa de
licitação, foi orçada em R$ 1,9 milhão.
Com isso, segundo a Secretaria de Estado da
Justiça e da Cidadania (Sejuc), cerca de 90% do contingente das duas
penitenciárias estão abrigadas provisoriamente no Pavilhão 5, ou Penitenciária
Rogério Coutinho Madruga. Ao todo, são 846 presos em Alcaçuz e 473 no Coutinho.
O Pavilhão 3 já ficou pronto e, segundo a Sejuc, recebeu vistoria de equipe
médica da prefeitura de Nísia Floresta – município onde fica Alcaçuz – e de
representantes do governo estadual. Serão transferidos 300 presos que estavam
provisoriamente no Pavilhão 5. A data e os detalhes da transferência não foram
divulgados pela secretaria “por questões de segurança”
A construção de outras unidades prisionais
também foi anunciada à época, como uma saída para a crise. Uma delas é a Cadeia
Pública de Ceará-Mirim, que deveria ter sido entregue em 2016. A Sejuc diz que
a unidade, com 603 vagas, está com 70% das obras concluídos e deve ser
inaugurada no segundo semestre de 2017.
De acordo com a Sejuc, o número de presos a
serem transferidos de Alcaçuz para as novas unidades prisionais ainda está
sendo decidido pela Coordenação de Administração Penitenciária. Ainda assim, a
população carcerária do estado como um todo é maior que o número de vagas a
serem criadas. A secretaria informou que existem cerca de 8 mil detentos para 4
mil vagas atualmente.
Fechamento definitivo
Na reforma de Alcaçuz, mudanças foram feitas
em relação ao projeto original, que vão desde travas das celas mais modernas a
reforço de concreto no chão. Em relação a adaptações que seriam realizadas do
lado de fora, como proteção do perímetro do presídio e concretagem junto ao
muro para evitar túneis de fuga, a Secretaria de Justiça não detalhou quais
ações anunciadas no dia 23 de janeiro já estariam prontas ou foram iniciadas.
Mesmo com o anúncio da reforma, o governador
do Rio Grande do Norte, Robinson Faria, manifestou em pelo menos duas ocasiões
o desejo de desativar a Penitenciária de Alcaçuz. Para ele, a escolha do local
(uma duna próximo a uma área de expansão turística) e a concepção do projeto
foram erradas desde o princípio. O Ministério Público do Rio Grande do Norte
abriu inquérito civil questionando essas manifestações.
As reformas estão sendo orientadas pela Força
Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP), grupo criado pelo Ministério da
Justiça este ano para ajudar na crise dos sistemas prisionais dos estados. No
total, 85 agentes penitenciários, de quatro estados brasileiros, atuam no Rio
Grande do Norte, especialmente em Alcaçuz, desde o fim de janeiro.
“[Alcaçuz] é um presídio bom”, disse o
coordenador da FTIP no estado, Mauro Albuquerque. “Tem uma estrutura boa, muro,
os blocos são bons, estão sendo reformados, então vai funcionar bem”, destacou
em entrevista à Agência Brasil.
Já a presidente do Sindicato dos Agentes
Penitenciários do Rio Grande do Norte (Sindasp-RN), Vilma Batista, concorda que
o local escolhido não foi adequado. “O tamanho da penitenciária também
desfavorece. É muito grande, e a gente não tem visão dela toda”. Porém, ela
classifica o fechamento definitivo de Alcaçuz de “desperdício de dinheiro
público”. “Foi um investimento muito alto na penitenciária. O que deveria ser
feito era reaproveitar. Temos outro nível de população carcerária, presídio
feminino. E também porque não há tempo hábil para a construção de novas
unidades. Mesmo que se construa Ceará-Mirim e mais duas unidades ainda não vai
desafogar a superlotação que temos hoje.”
Sobre o desejo do governador de fechar
definitivamente Alcaçuz, a Secretaria de Justiça informou que “o fechamento
ainda não foi confirmado nem tem data para acontecer”.
Sumaia Villela - Agência Brasil
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