Falta de água e recessão na economia levam
caos a cerca de 2 milhões de pessoas no interior de Pernambuco; em alguns
lugares, saída é distribuir fichas para a população conseguir água
dessalinizada em “orelhão”
É assim que algumas cidades de um dos maiores
polos produtivos do Nordeste vivem há meses. Em colapso, ou à beira dele, cerca
de 2 milhões de pessoas em um raio ampliado. E toda uma cadeia têxtil que
abastece o maior centro comercial do ramo da América Latina.
A região de Caruaru, no interior de
Pernambuco, tem duas cidades vitais para a indústria têxtil do Nordeste e Norte
do Brasil: Santa Cruz do Capibaribe, onde o Moda Center reúne mais de 15 mil
pontos de venda e chega a atrair 100 mil pessoas por dia em junho; e Toritama,
segundo maior polo no Brasil para o beneficiamento de jeans. Principal
matéria-prima em falta: água.
Em Riacho das Almas, no agreste pernambucano,
a saída foi furar poços de até 50 metros de profundidade e trazer água salobra
à superfície. Para dessalinizar, uso de energia elétrica e solar. Para entregar
à população, fichas telefônicas, iguais às antigas de orelhões.
A cidade possui 16 dessas unidades,
espalhadas pela zona rural. Quinze custaram R$ 60 mil cada para serem operadas
com energia elétrica e uma R$ 110 mil para funcionar totalmente com energia
solar.
“É uma situação muito constrangedora. Na zona
urbana as pessoas não estão acostumadas a isso. Você chegar a uma rua e ver
aquela fila de moradores, cada um com um balde, para pegar dez, vinte litros, é
um negócio constrangedor, para quem pega, para quem distribui”, afirma Roberto
Tavares, presidente da Compesa, estatal pernambucana responsável pelo
abastecimento no Estado.
O regime de chuvas na região de Caruaru está
abaixo do normal há quatro anos. Com o fenômeno El Niño configurado em 2015, a
seca deve prevalecer mais uma vez no agreste pernambucano e no Nordeste como um
todo.
A falta de água na região de Caruaru veio em
cima da crise geral na vendas de vestuário. Alguns atacadistas contabilizam
perdas de até 30% desde o início do ano, demitem funcionários e fecham lojas de
revenda.
Em lugar das centenas de camionetes Toyotas
levando compradores pelas estradas em Santa Cruz (100 mil habitantes) e Toritama
(41 mil), a paisagem está coalhada agora de carros-pipas, que precisam buscar
água para as cidades cada vez mais longe. As maiores represas da região
secaram, como em Poço Fundo e Jucazinho, que tem hoje só 5% da capacidade.
Em alguns casos, a distância fez aumentar em
até 60% o preço dos carros pipas, que chegam a custar R$ 160 para entregar 11
mil litros de água não potável. Com a barragem seca em Poço Fundo, a população
recorre diariamente a baldes e vasilhas para pegar água dos carros pipa.
A situação é mais grave em Toritama, que vive
basicamente de beneficiar jeans que vêm do Sul e Sudeste. A Mamute, maior
lavanderia local, utilizava 8 bilhões de litros de água por mês para os jeans
(cerca de 40 litros por peça). Hoje, tem à disposição apenas 4 bilhões de
litros (grande parte reciclada), diminuiu turnos de trabalho de 3 para 1,
cortou 16 funcionários (de 84) e prevê mais demissões.
”À crise econômica veio se somar a falta de
água”, diz Edilson Tavares, dono da Mamute, que fornece peças para grandes
redes do Nordeste e do país, como a Marisa.
Na mesma rua da Mamute, a Rone Jeans passa
por drama igual. “Estamos pensando seriamente em demitir já. Mesmo sem água e
produção menor, nossos estoques estão abarrotados de roupas que saem de moda
rapidamente”, diz José Ronaldo Silva, dono da empresa de 75 funcionários.
O chamado Arranjo Produtivo Local na região
próxima a Caruaru gera 150 mil empregos diretos em 18 municípios e movimenta
cerca de 700 milhões de peças por ano em artigos de moda.
Em Santa Cruz do Capibaribe, onde funciona o
Moda Center, com 120 mil m² de área coberta para revenda de roupas, lojistas
falam em “colapso” de vendas por conta da economia em geral e pela falta de
água na região.
Folha de S. Paulo
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