O salário mínimo nacional passa a ser de R$
880,00 a partir desta sexta (1). São 92 jujubas a mais do que os R$ 788,00
válidos até agora, ou seja, um aumento de 11,7%.
A política de valorização do mínimo, um
cálculo que considera a inflação e a variação do PIB, levou a um aumento no seu
poder de compra. Em 1995, adquiria-se uma cesta básica com o mínimo. Hoje, 2,14
cestas de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Econômicos (Dieese). Esse valor representa um aumento real de 77,53%
(descontada a inflação) desde 2002.
Mas isso passa longe, muito longe, de ser
suficiente, pois não se come números ou se veste estatísticas. O salário mínimo
mensal necessário para manter dois adultos e duas crianças deveria ser de R$
3.399,22 – em valores de novembro de 2015 (última previsão disponível). O
cálculo é feito, mês a mês desde 1994, pelo Dieese.
Para tanto, considera o que prevê a
Constituição, ou seja: “salário mínimo fixado em lei, nacionalmente unificado,
capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família, como
moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social, reajustado periodicamente, de modo a preservar o poder
aquisitivo, vedada sua vinculação para qualquer fim''.
Mas como todos sabemos, infelizmente o belo
artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federativa do Brasil, que trata dessa
questão, é uma piada mais engraçada do que aquela do papagaio gaúcho que
passava trote em Macapá. Estamos longe de garantir dignidade com esse mínimo.
É claro que, nas grandes cidades, são poucos
os que recebem apenas o piso. Contudo, ele segue referência para mais de 48,3
milhões de pessoas, entre aposentados e pensionistas (22,5 milhões), empregados
com carteira assinada (13,5 milhões), trabalhadores autônomos (8,2 milhões) e
trabalhadoras empregadas domésticas (3,99 milhões), entre outros trabalhadores
que são remunerados com base nele.
Ninguém está pregando aqui a
irresponsabilidade fiscal geral e irrestrita. Ou dizendo que não se aumenta por
“maldade''. Mas valeria a pena dar ao assunto o cuidado e a atenção que ele
merece, porque o reajuste do salário mínimo é uma das ações mais importantes
para melhorar a qualidade de vida do andar de baixo. Afinal de contas, salário
mínimo não é programa de distribuição de renda, é uma remuneração mínima – e
insuficiente – por um trabalho. Não é caridade e sim uma garantia institucional
de um mínimo de pudor por parte dos empregadores e do governo.
Fico pensando o que deve passar pela cabeça
de uma pessoa que mora no interior do país, recebe um mínimo e tem que depender
de programas de renda mínima para comprar o frango do Ano Novo, quando vê na
sua TV especialistas culpando pelas desgraças planetárias os menos de R$ 5
bilhões que serão gastos pelo governo para bancar o aumento. E, na sequência,
vê notícias de bilhões desviados em escândalos de corrupção envolvendo
políticos e empresas, como nas operações Lava Jato e a Zelotes. Ou quando
descobre que os mais ricos são porcamente tributados, isentos em bilhões da
taxação no lucro de suas empresas, por exemplo. Ou que centenas de bilhões são
pagos em juros da dívida – que insiste em não ser auditada.
Nesse momento, algumas dessas pessoas
sentem-se otárias, engolem o choro da raiva ou da frustração de ganharem como
um passarinho, apesar de trabalharem como um camelo e torcem para a novela
começar rápido e poderem, enfim, ver outra tragédia. Não porque precisam se
mostrarem fortes – sabem que são. Mas porque percebem que o país não é deles
mesmo.
Toda a vez que chega a época de debates sobre
o mínimo, especialistas descabelam-se na mídia com o impacto desse aumento nas
contas públicas. Muitas vezes essas análises são produzidas em uma linguagem
que poucos conseguem entender, ou seja, em código para atingir aqueles que
sabem decodificá-lo, ou seja, um grupo economicamente seleto, ou seja, outras
pessoas, mas não você. Há todo um discurso criado e difundido para aceitar tudo
como está.
Ou, por outro lado, podem ser colocadas de
forma a parecerem proposições tão claras e óbvias que ir contra elas é um
atentado à razão. Em outras palavra, “só um idiota não concordaria com isso”.
Separei alguns exemplos que já havia trazido
aqui ao longo do tempo:
1) “O governo deve desvincular a Previdência
do aumento do salário mínimo. Os aposentados não podem receber aumentos na
mesma progressão que a população economicamente ativa.”
Em outras palavras, quem pode vender sua
força de trabalho merece comer, pagar aluguel, comprar remédios. O governo tem
que se preocupar em garantir a manutenção da mão-de-obra para o capital – o
resto que se dane. Para que gastar com quem já não é útil à sociedade com tanta
dívida pública para ser paga? Melhor seria instituir de vez que, chegando a tal
idade, os idosos pobres deveriam se destinar a instituições parecidas com
aquelas do livro “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, para serem
reciclados. Mais rápido e clean. De repente, pode-se até chamar uma blogueira
de moda jabazeira para sugerir decoração para o ambiente de abate dos mais
velhos, incentivando – com isso – a liberdade de expressão.
2) “Cada real a mais de salário mínimo
representa um aumento de bilhões no prejuízo do governo federal.”
Primeiro, se fossem efetivamente cobradas as
grandes empresas sonegadoras da Previdência, o “rombo” não seria desse tamanho.
Mas isso é de interesse de quem? Dos representantes políticos que receberam
doações de campanhas dessas mesmas empresas? Além disso, constata-se que a cada
aumento no salário mínimo ocorre um aquecimento na economia de locais de baixa
renda, o que gera empregos e melhora a qualidade de vida de milhões de pessoas.
Então, seria interessante o especialista definir melhor o que é “prejuízo”
antes de usar o termo.
3) “É importante aumentar o mínimo? Sim. Mas
a população tem que entender que não é o aumento do mínimo que vai distribuir
renda e sim o crescimento da economia.”
Os economistas da ditadura civil-militar
falavam a mesma coisa, mas de uma forma diferente, algo como “é preciso
primeiro fazer o bolo crescer, para depois distribui-lo”. Foi o que escrevi no
post anterior, desta terça (29): apesar de você ter ajudado a produzir o doce
tira a mão dele que não é hora de você consumi-lo. Considerando que nossa
concentração de riqueza é uma das mais altas do mundo, percebe-se o tipo de
resultado que dá essa fórmula. Além do mais, salário mínimo não é programa de
distribuição de renda, é uma remuneração mínima – e insuficiente – por um
trabalho feito. Não é caridade e sim uma garantia institucional de um mínimo de
pudor por parte dos empregadores e do governo. O melhor de tudo é o tom
professoral de “A população tem que entender”, como se o especialista que disse
isso fosse um ser iluminado dirigindo-se para o povo, bruto e rude, para
explicar que aquilo que eles sentem não é fome. Mas sim sua contribuição com a
geração de um superávit primário para que sejam honrados os compromissos
internacionais do país.
Por fim, neste Primeiro de Janeiro desejo que
você trabalhe menos em 2016. Que todos possam trabalhar menos, sem redução de
salário.
Não, não estou defendendo o saudável direito
ao ócio criativo – o que seria uma espécie de autocrítica deste workaholic que
trabalha 24 por 7 e está escrevendo um texto enquanto outros descansam. Prefiro
algo mais palpável, como a redução da jornada de trabalho semanal de 44 para 40
horas.
A última redução ocorreu há 25 anos, na
Constituição de 1988, quando caiu de 48 para 44 horas semanais. Aos
catastrofistas de plantão: saibam que o Dieese (novamente ele) calculou que uma
jornada de 40 horas com manutenção de salário aumentaria os custos de produção
em apenas 1,99%. O aumento na qualidade de vida do trabalhador, por outro lado,
seria muito maior: mais tempo com a família, mais tempo para o lazer e o
descanso, mais tempo para formação pessoal. Há uma proposta de emenda
constitucional que propõe essa mudança e também aumenta de 50% para 75% o valor
a ser acrescido na remuneração das horas extras. Ou seja, quer o empregado
trabalhando mais? Que se pague bem por isso. Outros vão dizer que boa parte das
empresas já opera com o chamado oito horas por dia, cinco dias por semana. Mas
não todas. Principalmente em atividades rurais.
Pois é difícil celebrar o Ano Novo quando não
se tem tempo para isso.
Muito menos dinheiro.
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