Com
a doença do presidente Hugo Chávez e as incertezas sobre os rumos da política e
da economia venezuelanas, Caracas deve assistir a uma aceleração do declínio de
sua influência na América Latina, segundo analistas ouvidos pela BBC Brasil.
E para alguns, dificuldades na transição política em um eventual afastamento permanente de Chávez podem até fazer o país passar de um polo de poder regional para centro de uma nova crise política latino-americana.
Até 2011, Chávez conseguiu expandir a influência da Venezuela na América Latina de duas maneiras, como explicam Carlos Romero, autor de Jugando con el globo: la política exterior de Hugo Chávez ('Brincando com o globo: a política exterior de Hugo Chávez', em tradução livre), e Francine Jácome, do Instituto Venezuelano de Estudos Sociais e Políticos (IVESP).
E para alguns, dificuldades na transição política em um eventual afastamento permanente de Chávez podem até fazer o país passar de um polo de poder regional para centro de uma nova crise política latino-americana.
Até 2011, Chávez conseguiu expandir a influência da Venezuela na América Latina de duas maneiras, como explicam Carlos Romero, autor de Jugando con el globo: la política exterior de Hugo Chávez ('Brincando com o globo: a política exterior de Hugo Chávez', em tradução livre), e Francine Jácome, do Instituto Venezuelano de Estudos Sociais e Políticos (IVESP).
Primeiro, ele fez uso do que ficou conhecido como 'diplomacia do petróleo': a venda subsidiada de petróleo venezuelano a países menores da região, principalmente na América Central e Caribe, com o objetivo de conquistar o apoio político desses países.
Segundo, esteve à frente ou teve um protagonismo importante em uma série de inciativas políticas e esquemas de integração regional, tais como a Aliança Bolivariana para as Américas (Alba - um bloco de forte viés ideológico, liderado pela Venezuela) e a União de Nações Sul-Americanas (Unasul).
Foi Chávez quem propôs o chamado Banco do Sul, o fundo monetário da Unasul, por exemplo. E ele também vinha se empenhando para levar adiante projetos como o Gasoduto do Sul e a criação da Petroamerica, uma união de petrolíferas estatais.
Por volta de 2010, houve até quem visse na Venezuela um potencial rival do Brasil na busca por uma liderança regional - embora autoridades brasileiras e venezuelanas negassem qualquer rivalidade.
Dificuldades
Para Jácome, porém, hoje há obstáculos importantes em ambas as linhas de ação externa venezuelanas.
'De
um lado, a possibilidade de a Venezuela usar o petróleo como instrumento de
política diplomática é cada vez menor em função da estagnação da produção (da
estatal petrolífera PDVSA) e das incertezas em relação à economia do país',
diz.
m 2005, a PDVSA produzia 3,27 milhões
de barris diários (mbd) de petróleo e sua meta era chegar aos 5,8 mbd em 2012.
A meta foi mais tarde revista para 3,50 mbd. Mas em setembro, não passava dos
3,13 mbd - menos, portanto, que em 2005.
O PIB (Produto Interno Bruto) da
Venezuela cresceu 5,5% em 2012, mas segundo Jácome tal expansão foi puxada por
uma forte alta dos gastos do governo no período que antecedeu as eleições
presidenciais de outubro.
Um aumento do déficit fiscal (que,
segundo a consultoria Economática seria de 15%, maior que o de países em crise
como Espanha, Portugal e Grécia) e a queda do nível das reservas do país
indicariam limites na capacidade do governo manter esse ritmo de crescimento -
e também em seu poder de atrair o apoio dos vizinhos
'Do outro lado, ainda que o presidente
venezuelano tenha apontado como sucessor o (vice-presidente Nicolás) Maduro,
que circula bem entre líderes estrangeiros por seu trabalho como chanceler, é
difícil pensar que ele ou qualquer outra figura do governo tenha a mesma
capacidade de liderança e avance com o mesmo empenho nessas iniciativas
internacionais e em uma política externa expansiva', diz Jácome.
'Problemas econômicos e políticos
internos devem manter qualquer um que venha a suceder Chávez com os olhos
dentro da Venezuela, não fora.'
Para Carlos Romero, nos últimos anos
alguns aliados de Caracas já têm procurado se afastar de posições de Chávez
vistas como radicais - por exemplo, seu discurso antiamericano e
anticapitalista e apoio a países como Líbia e Síria. Uma eventual saída de cena
do atual presidente, portanto, apenas aceleraria esse processo de retração da
liderança regional venezuelana.
Romero menciona os casos do presidente
peruano, Ollanta Humala, e do salvadorenho Maurício Funes, que segundo ele
procuraram evitar uma associação com o venezuelano em suas campanhas e após
serem eleitos.
'No caso dos países relativamente
pequenos, houve um esforço para diversificar a economia e reduzir qualquer
dependência da ajuda e do petróleo venezuelanos', acredita Romero. 'Até Cuba
hoje está aumentando o comércio com países como a China, Argélia, Vietnã e
México, enquanto as trocas com a Venezuela permanecem estáveis.'
Transição política
No último ano, por causa das
complicações geradas por um câncer na região pélvica, Chávez já não compareceu
a nenhum encontro regional fora da Venezuela.
Em dezembro, o líder venezuelano foi a
Cuba para submeter-se a sua quarta cirurgia, mas antes indicou Maduro como seu
sucessor, caso sua saúde o impeça de assumir um novo mandato.
A posse do presidente, que desde então
não aparece em público, está prevista para o dia 10 (quinta-feira). Mas a
incerteza sobre sua capacidade de comparecer à cerimônia - ou governar depois
disso - está gerando grande apreensão na Venezuela.
A oposição diz que, se Chávez não
aparecer no dia 10, deve ser acionado o dispositivo constitucional que prevê
que, caso o presidente não tome posse, o Parlamento precisa declarar sua
ausência temporária e uma equipe médica deve avaliar se ele tem condições de
governar.
Nesse cenário, a Presidência seria
assumida interinamente pelo presidente da Assembleia Nacional, Diosdado
Cabello, e, havendo uma negativa da equipe médica, novas eleições seriam
convocadas.
O governo, porém, defende que, como
Chávez já era presidente, há uma 'continuidade' no governo, o que dispensaria a
'formalidade' da posse. No caso, não haveria eleições e Maduro assumiria caso
Chávez não pudesse governar.
Envolvimento regional
Para Fernando Gerbasi, ex-embaixador
da Venezuela no Brasil, hoje diretor da Área de Relações Internacionais do
Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade Metropolitana, em Caracas,
nesse segundo cenário, a oposição atuaria no sentido de tentar fazer a disputa
escalar para uma crise de repercussões regionais, como a do Paraguai.
Gerbasi ressalta que líderes
opositores já prometeram fazer protestos e enviar representantes a países
estrangeiros para denunciar o que eles consideram que seria uma possível
violação da Constituição venezuelana.
'Estamos nos preparando para recorrer
a instâncias, países, embaixadas e organizações para que eles saibam que estão
desrespeitando a Constituição (venezuelana)', disse o deputado opositor Júlio
Borges à TV Globovisión.
Para Gerbasi, países como México,
Brasil, Chile, Honduras e Panamá são possíveis alvos para a campanha da
oposição. Outros como Bolívia, Argentina e Equador são aliados tradicionais do
governo venezuelano e provavelmente se alinhariam com as decisões de Caracas.
'Esse cenário de crise é o mais
drástico, mas nesse momento nada pode ser descartado', diz o ex-diplomata.
BBC
Brasil
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