Ricardo
Dantas saiu de Lucrécia para estudar Medicina na Bolívia.
Ex-motorista atende pacientes gratuitamente fora do horário de trabalho.
Um
motorista de ambulância que deixou sua cidade no interior com o sonho de
estudar Medicina e voltou oito anos depois como médico formado. O caso
aconteceu em Lucrécia, município de pouco mais de três mil habitantes na região
Oeste do Rio Grande do Norte, onde nasceu Ricardo Dantas Duarte, de 39 anos.
Filho de um agricultor e de uma merendeira, o protagonista da história
atualmente trabalha como médico do Programa de Saúde da Família (PSF), coordena
uma unidade de urgência da cidade, dá plantão em municípios vizinhos e ainda
arruma tempo para atender pacientes em um consultório montado na própria casa.
"Disseram
que era loucura", conta Ricardo ao lembrar do plano para se tornar médico.
O então motorista de ambulância deixou a mulher e a filha de dois anos e vendeu
os únicos bens que tinha - uma casa e um carro - para fazer o curso na Bolívia.
Na cidade de Cochabamba morou de favor em um quarto nos fundos da casa de um
conhecido. "Era do pai de um amigo que conheci em Lucrécia. Um médico
boliviano que me incentivou a correr atrás desse sonho", explica Ricardo,
que também é formado em Pedagogia.
Ricardo
chegou à Bolívia no segundo semestre de 2003 em meio a uma série de protestos
que culminaram na derrubada do presidente Gonzalo Sánchez de Lozada. "O
país estava quase em guerra civil. Tocaram fogo no ônibus em que eu estava e
fugi pela janela. Precisei andar 13 quilômetros até a cidade", lembra o
médico, que começou ali uma vida de oito anos na Bolívia, sem nunca ter deixado
de visitar a família em Lucrécia, para onde viajava semestralmente de trem e
ônibus. "Não dava para pagar viagem de avião", diz.
Para
Ricardo, o papel do médico vai além da consulta (Foto: Arquivo pessoal/Ricardo
Dantas)Para Ricardo, o trabalho do médico exige amor
(Foto:
Arquivo pessoal/Ricardo Dantas)
O
curso foi terminado em 2010, mas Ricardo permaneceu na Bolívia trabalhando. O
retorno definitivo a Lucrécia aconteceu no ano seguinte. "Fiz a
revalidação do meu diploma e comecei a trabalhar na cidade", conta o
médico, que começou a se interessar pela profissão quando transportava
diariamente os pacientes. "A gente acompanhava os casos e via o abandono
das pessoas. Isso foi gerando uma indignação em mim. Quando você procura um
médico não está só atrás de uma cura científica. Não custa nada um pouco de
carinho", acrescenta.
Formado
médico, Ricardo levou ao pé da letra o que considera o ideal tratamento a um
paciente. Sempre com um sorriso no rosto, o ex-motorista de ambulância atende
gratuitamente pacientes mais humildes na sala de casa. Dos trabalhos no PSF e
plantões em cidades vizinhas ele tira o sustento da família. Do caminho que teve
de percorrer para realizar o sonho, o médico guarda um conselho. "Para
quem nasce na pobreza, a única forma de ser rebelde é estudar", afirma.
Espera
sem fim
Enquanto
Ricardo passava dificuldade na Bolívia, sua mulher, Maria da Conceição do
Nascimento Duarte, 37 anos, dava aulas de matemática para ajudar o marido fora
do país. Com a venda da casa e do carro para financiar a viagem, a professora
foi morar na casa dos pais de Ricardo. "Quando ele me falou o que queria
fazer, disse 'se é seu sonho vou apoiar', e fiquei aqui com nossa filha",
afirma.
Apesar
de ter apoiado a ideia, a professora confessa: "não foi fácil".
Conceição conta que a comunicação era difícil, porém não se abalou. "Ele
vinha de seis em seis meses, firme e forte. Matávamos a saudade", conta.
Quando o marido retornou com o diploma de médico, Conceição viu que o esforço
valeu a pena. "Tive uma sensação de missão cumprida", lembra.
Da
ambulância ao consultório
Companheiro
de trabalho de Ricardo na época das ambulâncias, Cleberson Dantas de Brito, de
38 anos, lembra que o trabalho do médico ia além do transporte de pacientes.
"Os dois motoristas éramos nós. Além de dirigir, Ricardo marcava consulta,
entrava em fila. O trabalho despertou o desejo dele de ajudar os pacientes de
melhor forma", conta Cleberson, que também largou as ambulâncias e
atualmente trabalha no Conselho Tutelar de Lucrécia.
Cleberson
explica que no início foi difícil acreditar no plano do companheiro. "O
que mais me admirou foi ele ter deixado a mulher e a filha para realizar o
sonho. No início as pessoas, até da família, tinham receio e medo. Na primeira
vez que ele veio visitar a cidade tivemos firmeza da decisão dele",
relata.
Outro
que acompanhou a trajetória de Ricardo foi o aposentado Manoel Alves do
Nascimento, conhecido como Nezinho, de 68 anos. Por cinco anos o médico levou a
mulher de Nezinho, na época com câncer, para Natal. A mulher faleceu pouco
tempo depois, mas Manoel Alves é até hoje grato pelo tratamento dado por
Ricardo. "É um irmão", resume o aposentado, que também é paciente do
médico.
Do G1/RN
Nenhum comentário:
Postar um comentário