Levantamento que antecipa o Censo Rural do
IBGE mostra que a participação de mulheres na administração de propriedades
rurais no Brasil passou de 10%, em 2013, para 30% no ano passado
Os anos recentes não foram só de ganho de
produtividade e aumento do uso da tecnologia no campo. Ele também ficou mais
feminino. Uma em cada três propriedades rurais do País tem mulheres ocupando
funções de comando – há cinco anos, eram 10%. Quando não são as principais
responsáveis pelas propriedades, elas atuam como administradoras, dividem as
atividades com um familiar ou estão sendo preparadas para assumir essas
funções.
Os dados são de uma pesquisa da Associação
Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio (ABMRA) e antecedem o Censo
Agropecuário, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que
deve ficar pronto este ano. O levantamento foi feito ao longo de 2017, com
2.090 agricultores e 717 pecuaristas de 15 Estados.
Criada em uma fazenda de gado de São Sepé, no
Rio Grande do Sul, Fernanda Costabeber, de 26 anos, nunca pensou em ser apenas
a “filha do dono”. Ela e a irmã mais velha foram acostumadas desde pequenas a
participar das atividades da propriedade de 1,6 mil hectares.
“O meu pai não é de uma família de
pecuaristas tradicionais, começou tudo do zero e sempre disse que nos criaria
para tomar conta do negócio no futuro, ensinando todas as funções que um filho
homem teria de aprender”, conta. “Muitas meninas acabam ouvindo que não dariam
conta de tocar uma fazenda. Acho que ter aprendido desde cedo que seria capaz
de administrar o negócio foi uma das coisas mais importantes.”
Fernanda se formou em veterinária há cinco
anos. “Já conhecia a vida no campo na prática e queria uma visão mais
profissional, para tentar aprimorar o nosso negócio.” Ela chegou a trabalhar
por um ano na indústria de alimentos, mas decidiu voltar. Há dois anos,
substituiu o pai na função de gerente administrativo da fazenda.
Após assumir a gerência, o número de cabeças
de gado subiu de 4 mil para 6,3 mil. “Conseguimos dividir funções e cada um
oferece o que tem de melhor para a fazenda.” O pai de Fernanda negocia a compra
e venda de animais, enquanto o marido dela, agrônomo, cuida da produção de
ração. “As barreiras não desapareceram por completo para as mulheres, mas
ficaram menores.”
Com o aumento do uso da tecnologia no campo,
a força física deixou de ser uma barreira para muitas atividades, lembra
Ricardo Nicodemos, coordenador da pesquisa da ABMRA. Elas também estão se
preparando mais para assumir as funções. Uma em cada quatro mulheres tem
formação superior. Entre os homens, um em cada cinco.
“Essa nova dinâmica do agronegócio faz com
que as mulheres ganhem destaque. Embora os homens sejam a maioria dos
entrevistados, para 81% dos agricultores e pecuaristas, a participação delas é
vital ou muito importante”, diz Nicodemos.
Lavoura nada arcaica. A presença feminina à
frente das propriedades rurais não é inédita. Mas a pesquisa da ABMRA mostra
que elas ganham espaço nas pequenas, médias e grandes propriedades. “Existem
ótimos exemplos de mulheres de gerações passadas que tocaram propriedades muito
bem. Mas acho que, de forma geral, quando só havia filhas mulheres na família,
a expectativa recaía mais sobre os maridos mesmo”, conta a veterinária Andrea
Veríssimo, de 44 anos. Ela divide com o marido a administração de uma
propriedade em Arambaré, também no interior do Rio Grande do Sul. Na fazenda,
herança dos pais do marido, o casal integra lavoura e pecuária.
Formada na década de 1990, Andrea foi
complementar os estudos com um mestrado na Nova Zelândia em 2001. “Trabalhei
dois anos na propriedade do meu pai e fui buscar mais conhecimento. Era uma
época em que os cursos de especialização na área eram raros.” Hoje, além da
fazenda, ela cuida de uma consultoria de relações públicas voltada para o
agronegócio.
“Essa é mesmo uma característica muito feminina,
de querer se aprimorar sempre”, avalia a paulista Teresa Vendramini, primeira
mulher a ocupar um cargo de diretora executiva na Sociedade Rural Brasileira
(SRB). Ela está no cargo desde março do ano passado.
“A mulher antes
acabava indo parar no campo quando ficava viúva ou quando perdia os pais. Foi
assim comigo e ainda acontece bastante. Mas a importância crescente do
agronegócio também veio acompanhada de uma revolução cultural. Os jovens querem
ficar no campo, muitas mulheres não são mais criadas para ficar em segundo
plano e esses novos agentes estão transformando a agropecuária. É um caminho
sem volta.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário