Profissionais da rede pública se queixam de
sintomas de ansiedade, estresse e dores de cabeça
Não somos máquina. A frase é comum entre
professores que se sentem sufocados pela intensa rotina da sala de aula,
principalmente nas escolas de ensino infantil e fundamental, nas quais são
registrados os maiores índices de ataques ao educador. O ambiente de barulho,
violência verbal e física torna exaustivas e longas as jornadas de trabalho. O
resultado é devastador, com o crescente número de docentes com transtornos de
ansiedade e outros problemas que afetam a saúde mental.
Na rede municipal de ensino de Mossoró, pelo
menos 109 professores foram readaptados em definitivo e passaram a cumprir
outras funções, como, por exemplo, atividades administrativas. O setor de
Recursos Humanos da Secretaria de Educação não tem um levantamento preciso do número
de profissionais que deixaram a sala de aula por problemas na saúde mental, mas
é certo que os 109 professores não quiseram voltar a ministrar aulas.
Pesquisa realizada pelo site “Nova Escola”, com
cerca de cinco mil docentes em todo país, aponta que 60% se queixam de sintomas
de ansiedade, estresse e dores de cabeça, e 66% já sofreram com fraqueza,
incapacidade ou medo de ir trabalhar. O estudo também revela que 87% dos
entrevistados acreditam que os problemas de saúde são decorrentes ou
intensificados pela profissão.
Segundo a Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação (CNTE), 71% dos 762 profissionais de educação da rede
pública de várias regiões do país, entrevistados pela entidade, ficaram
afastados da escola após episódios que desencadearam problemas psicológicos e
psiquiátricos nos últimos cinco anos.
O estudo da confederação identificou que a
maior incidência está nos casos de estresse provocado por situações de
insegurança, com 501 ocorrências (65,7%), seguida pela depressão (53,7%). Segundo
os dados da CNTE, antes a perda de voz era a campeã entre as doenças que
afastavam professores, mas fatores como deterioração das condições de trabalho
e agressividade dos alunos alteraram o cenário.
O baixo salário dos professores, principalmente
aqueles das redes municipal e estadual de ensino que cuidam de alunos do ensino
básico, é outro ponto que colabora para o desgaste emocional dos professores.
Os salários baixos, e muitas vezes pagos com atraso, acabam impactando a vida
dos professores, que sofrem para honrar compromissos básicos, como pagar
aluguel, água, luz e o mercantil.
A Pesquisa Internacional sobre Ensino e
Aprendizagem 2018 (TALIS, em inglês), divulgada pela Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em junho de 2019, revelou que,
em um universo de 48 países, os professores brasileiros são os que recebem os
piores salários. Além de serem os profissionais com o menor poder de compra,
também não apresentam diferença salarial ao longo dos anos, ao contrário do cenário
de outros países estudados, em que há aumentos salariais como parte de planos
de carreira.
A TALIS 2018 entrevistou 2.447 professores da
educação básica e 184 diretores de escolas brasileiras. Deste universo, 68% dos
diretores afirmaram já ter presenciado situações de bullying entre alunos, dado
que corresponde ao dobro identificado pela OCDE em outros países. Os abusos
verbais e ameaças são realidade semanal para 10% das escolas brasileiras,
enquanto a média mundial é de 3%. A pesquisa relaciona diretamente esses
episódios aos níveis de estresse e permanência na profissão.
No site especializado “Lunetas”, a professora
Andressa Garcia, doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR), disse que esses levantamentos condizem com a propagação de um
sentimento de ódio ao funcionalismo público, especialmente aos docentes. “A
luta por melhores condições de trabalho e contra retirada de direitos
conquistados nas últimas décadas, que inclui a crítica direta à Reforma da
Previdência, por exemplo, tem sido um fator polêmico que associa professores em
geral ao campo progressista.”
Título: “A gente não é máquina; nós somos
pessoas”
Reportagem do site “Brasil de Fato” revela que,
por dia, 11 professores da rede estadual de São Paulo são afastados por
transtornos mentais ou comportamentais. No ano de 2019, já soma 27 mil licenças
médicas por esses motivos, conforme levantamento entre janeiro e agosto.
Para entender melhor o cenário de adoecimento
dos professores, principalmente da rede pública, o site encontrou o professor
Alexandre de Matos, 41 anos, que passou metade da vida dentro da sala de aula
lecionando português e inglês. Ele está afastado da sala de aula.
“Já me chamaram de marajá, de boa vida. Mas
ninguém vem saber como estou. O que estou passando em casa. Apontar o dedo,
todo mundo sabe; tanto colega quanto aluno, pai de aluno e até a comunidade.
Ficam questionando ‘não está trabalhando mais não?’”, relata Alexandre Mattos.
“Muitas vezes eu nem me dou ao trabalho de
explicar minha situação, porque eu sei que não adianta... Ninguém está nem aí,
ninguém liga”, desabafa logo no início da conversa realizada na sala de sua
casa.
A realidade mudou e se distanciou da rotina que
Alexandre viveu por duas décadas. Ele está afastado das salas de aula pela
perícia médica devido a um transtorno de ansiedade. “A gente não é máquina; nós
somos pessoas”, enfatiza. “Pelo fato de eu ter 41 anos, todo mundo fala 'mas
você é novo, tem muito chão pela frente. Você tem condição'. E não é assim,
gente. É diferente”, explica.
“O nosso cansaço não é um cansaço somente
físico. Mas é um cansaço psicológico, mental, que é muito mais difícil para a
gente se restabelecer”, conta o professor.
Alexandre Mattos descreveu o ambiente que
trabalhava como insalubre. “Acho que o barulho é o principal fator que deixa
qualquer pessoa desestabilizada dentro de uma sala de aula. Porque são muitos
decibéis, acima do nível aceitável. Muitas vezes, a gente tem que gritar, bater
na mesa, brigar com os alunos”, descreve.
A violência, verbal e física, também é
mencionada pelo professor como fator agravante na rotina escolar. As longas e
exaustivas jornadas de trabalho ficam como protagonistas do desgaste mental que
ele sente. “Eu começava a dar aulas de manhã, por volta das 7h, 8h, e ia parar
às 23h. Imagine a qualidade da minha primeira aula e a qualidade da última. É
uma disparidade enorme.” (Fonte: Brasil de Fato)
Nenhum comentário:
Postar um comentário